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Como seria?

Foto: Ciranda no ar


 Como seria?

 Se por acaso hoje fosse o seu dia? Seria o dia do seu nascimento, da celebração de sua vinda, da sua vida, do seu firmamento.
 Com certeza teria choro, choro de alegria. 
Teria festa animada e gente querida. E eu veria pessoalmente aquilo que chamam de "sopro da vida". Veria, seria, mas não foi. 
 E não foi por vários motivos. Muitos dos quais já não fazem sentido falarmos, questionarmos, duvidarmos. Simplesmente não faz, não fez.

 Então me pego a imaginar sobre como seria se você tivesse crescido? Seria capaz de grandes feitos? Seria sagaz ou teria defeitos? Seria aguerrido, feroz ou destemido? Não sei ao certo. Apenas faço uma ideia. 
 Divago nas possibilidades, imagino coisas bonitas, sentimentos diversos, frivolidades. Mas não passará disso, imaginação. Seria não, não foi.

 Me resta pensar em como seria se você tivesse nascido de fato? Se por um acaso não tivesse morrido no parto. Como seria? Não sei, de coração não sei mais, mas imaginava. 
 Imaginava sobre o que de pior poderia te acontecer ao longo da vida. Quanta dor, quanta raiva, mágoas ou feridas seriam vividas? 
 E imagino o pior por um simples fato. O fato de que "o pior" é o que vivo agora neste quarto vazio, sem flores, faixas ou balões coloridos festejando a tua chegada. 
 O que me restou foi o vazio da tua partida, um choro teu que nunca ouvirei, mas que insiste em ecoar no meu ventre desde a tua saída. Sei lá, só choro.

 Alucinada pela dor agora eu penso sobre como seria daqui algum tempo se você aqui estivesse? Se pudesse falar, o que diria? Seria mamãe, papai ou "gugu-dadá"? 
 Teria uma voz doce, suave, de um alguém sereno que sempre soube que era amado mesmo sem saber o que é o amor? Ou quem sabe uma voz firme de um alguém forte, que mesmo se fosse deixado à própria sorte, nasceria sabendo onde fica o norte, o que queria da vida, e que ela existe para ser vivida intensamente, creio eu. Não sei. O que restou foi uma sessão de tortura ao som do teu silêncio e nada mais.

 Essa dualidade, sobre como tudo seria ou não de verdade é tão dúbia que confunde até a Maldade. Privando-a de saber se foi vil de fato ou se tudo apenas não passou de uma mera fatalidade. 
 Quisera mesmo que tudo isso não tivesse ocorrido, e que você tivesse vivido, que tivesse virado verdade. 
 O que me resta agora é encarar a realidade. Conformar-me com essa dor e ter serenidade. Para lidar com esse vazio dentro de mim a quem decidi batizar de Eterna Saudade.


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 Esse texto surgiu por conta de um triste episódio que presenciei essa semana enquanto aguardava numa recepção de hospital infantil. Vi um casal arrasado pela dor da perda, e curiosamente na TV uma apresentadora famosa perguntava "Como seria?". 

 Influenciado pela pergunta e contaminado pela aura de dor daquele casal percebi que as palavras surgiam na minha cabeça, e então peguei o celular e comecei a escrever de forma desconexa, deixando tudo o que viesse a mente fluir pelos dedos e ficar registrado no bloco de notas. 

 O problema é que o texto foi ficando tão pesado que decidi estancá-lo, pois já estava de certa forma me fazendo mal. E então preferi parar, esfriar a cabeça para tentar dar um desfecho, só que senti que não foi a atitude correta. Deveria ir até o final munido de todo aquele sentimento, pois ele era o fio condutor. Resta agora pensar em como seria o texto se não tivesse parado. Agora é tarde. 

 Vida que segue.

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